Um artigo publicado em 2017, na revista Cephalalgia, por Kerstin Luedtke e colaboradores, descreveu especificamente sobre as disfunções musculoesqueléticas que são encontradas em pacientes com enxaqueca. Já é sabido que um dos principais sintomas da enxaqueca é a dor cervical, sendo até muitas vezes mais comum do que a presença de náuseas. Neste estudo, dos 487 participantes analisados, aproximadamente 70% relatou ter sentido dor cervical antes, durante e após um ataque de enxaqueca. Importante frisar que segundo a Sociedade Internacional de Cefaleias (International Headache Society – IHS) a rigidez e dor cervical são considerados sintomas e não causas dos ataques em si. Embora clinicamente se apresente bem mais frequente do que náusea e vômito, um sintoma como a dor na cervical não faz parte dos critérios diagnósticos, não sendo suficientemente sustentado como evidência para influenciar o debate sobre a fisiopatologia da enxaqueca, que atualmente está centralizada na disputa entre duas teorias: central vs. vascular.  A enxaqueca é compreendida como uma doença neurobiológica que provavelmente origina-se no sistema nervoso central (SNC), tendo algumas áreas chaves que incluem o tronco encefálico e o hipotálamo.

Cefaleia x cervical

 

De acordo com as evidências de estudos com animais (Bartsch e Goadsby, 2003) e uma limitada pesquisa em humanos (Bogduk e Govind, 2009), existe conexão anatômica entre a coluna cervical e os sistemas trigeminais, com uma provável interação recíproca (teoria da convergência trigemino-cervical). Apesar de essa conexão ser reconhecida como uma explicação para a dor cervical associada com os ataques de enxaqueca, assim como para o alívio obtido após o bloqueio do grande nervo occipital (Bartsch e Goadsby, 2003), tem sido debatida somente como uma causa da cefaleia cervicogênica (Becker, 2010) ou daquelas cefaleias que ocorrem após lesões traumáticas cervicais como o mecanismo de chicote que comumente ocorre nos acidentes automobilísticos ou ainda as patologias vertebrais (Schofferman, Garges, Goldthwaite et al. 2002).

 

Ponto importante: dada a correlação entre as incapacidades associadas com as disfunções da coluna cervical e a frequência dos ataques de enxaqueca, essas disfunções podem ser um fator de risco em potencial para a cronicidade (Florencio, Chaves, Carvalho et al. 2014) e/ou podem atuar como gatilhos para os ataques de enxaqueca (Vincent, 2011).

 

Se a coluna cervical desempenha um papel na fisiopatologia, no processo de cronificação, ou como um gatilho para os ataques de enxaqueca, esses pacientes devem apresentar uma alta prevalência de disfunções musculoesqueléticas na cervical em comparação aos saudáveis. Certo?

Continue lendo abaixo e descubra o resultado dessa comparação!

 

Disfunções musculoesqueléticas

 

As evidências atuais a favor ou contra a presença das disfunções musculoesqueléticas são conflitantes: enquanto Jull et al. (2007) não encontrou déficits musculoesqueléticos nos pacientes com diagnóstico de enxaqueca utilizando um extenso grupo de testes físicos que foram utilizados por um examinador cego em uma amostra de 196 voluntários (Jull, Amiri, Bullock-Saxton et al. 2007); outros autores reportaram uma diminuição da amplitude de movimento cervical (Fernandez-de-Las-Peñas, Cuadrado e Pareja, 2006), aumento da sensibilidade pericranial (Lous e Olesen, 1982), diminuição dos limiares de dor à pressão, um maior número de pontos gatilhos ativos (Fernandez-de-Las-Peñas, Cuadrado e Pareja, 2006; Tali, Menahem, Vered et al. 2014), mudanças posturais (Fernandez-de-Las-Peñas, Cuadrado e Pareja, 2006) e achados na palpação manual das articulações (Tali, Menahem, Vered et al. 2014).

 

Os resultados conflitantes e problemas metodológicos como tamanho de amostra de sete a um máximo de 22 pacientes com enxaqueca, sucesso pouco claro do cegamente, o uso de somente um ou uma pequena seleção de testes, e o uso de diferentes classificações de abordagem, não permitiram uma conclusão contundente a respeito da prevalência e padrão das disfunções musculoesqueléticas nos pacientes diagnosticados com enxaqueca. Se esses fatos não são conhecidos acabam enfraquecendo as estratégias do tratamento fisioterapêutico. Até bem recentemente, não havia recomendações a respeito de qual testes musculoesqueléticos deveriam ser utilizados na rotina clínica diária em pacientes com cefaleia. Um consenso internacional resultou em 11 testes relevantes (Headache Assessment Tests – HAT’s) para detectar disfunções musculoesqueléticas em pacientes com cefaleia (Luedtke, Boissonnault, Caspersen et al. 2016). Todavia, essa recomendação ainda não foi validada.

 

Objetivo do artigo

 

O objetivo desse estudo foi, portanto, avaliar a prevalência e o padrão das disfunções musculoesqueléticas nos pacientes com enxaqueca comparados aos indivíduos saudáveis (grupo controle) utilizando uma abordagem metodológica rigorosa incluindo o cegamento do examinador, diagnóstico de acordo com a edição mais recente de classificação da IHS, tamanho apropriado da amostra e um consenso internacional de um grupo de testes (HAT’s) (Luedtke, Boissonnault, Caspersen et al. 2016). Para esse propósito, os resultados dos testes musculoesqueléticos foram analisados para detectar diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, e o conjunto de testes que melhor caracterizam os pacientes de enxaqueca foi identificado. A hipótese nula foi a de que pacientes de enxaqueca não apresentam mais disfunções musculoesqueléticas quando comparados aos indivíduos saudáveis (grupo controle).

………….continua.

 

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Semana que vem teremos a continuação desse artigo!

Dr. Jorge Arrigoni – Equipe Head & Neck Fisioterapia