A hipnose clínica vem sendo utilizada para tratamentos em várias áreas. As áreas com maior nível de evidência científica são: dor (aguda e crônica), síndrome do intestino irritável, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade e tabagismo1. Hoje falaremos sobe dor de cabeça crônica e hipnose! Texto do nosso colega Raphael Luz!
A hipnose parece também aumentar a eficácia e benefícios de outras abordagens terapêuticas como a terapia cognitivo-comportamental2 e educação em dor3. No Brasil e no mundo, a hipnose já é utilizada por diversos profissionais da saúde como fisioterapeutas, médicos, dentistas, psicólogos, enfermeiros, (entre outros) e alguns destes já possuem amparo legal por parte de seus conselhos federais para sua utilização.
A hipnose sempre gerou percepções antagônicas como fascínio e aversão, nas pessoas que observam. Um estudo de 2006 avaliou as atitudes e crenças de pessoas de diversos países e percebeu que várias dessas crenças não se relacionam diretamente com a cultura do país e são comuns em todos os países avaliados no estudo. Dentre as 280 pessoas avaliadas, 49% tinham medo de ser hipnotizadas e perder o controle sobre suas decisões; 65% tinham medo de fazer algo que normalmente não fariam; 62% tinham medo de esquecer coisas vividas durante a hipnose; 72% tinham medo de contar algum segredo, entre outros medos4.
Essas e outras crenças, preconceitos e mitos negativos sobre a hipnose estão entre as principais barreiras para os profissionais da saúde, pacientes e até mesmo pesquisadores, em utilização da hipnose em suas práticas. Por isso, desmistificar os conceitos sobre hipnose é tão importante para todos.
Foi evidenciado que pessoas com visões mais favoráveis a hipnose eram as que tinham mais proximidade com estudos acadêmicos sobre hipnose e informações vindas através de profissionais da saúde4. Outra fator que ajuda a desmitificar a hipnose descrita por Green J.P., em 2003, é ser submetido ao processo de hipnose pois a experiência permite aos participantes percepções menos estereotipadas sobre a hipnose5 .
Mas afinal, o que é Hipnose?
Essa não é uma resposta fácil e unanime. Ainda hoje existem visões muito distintas sobre a natureza da hipnose e seus diferentes marcos teóricos. Porém a conciliação entre esses diferentes pontos de vista, parece estar ocorrendo por meio de estudos de neuroimagem e pesquisas sobre seus mecanismos neurofisiológicos que mencionaremos mais a frente nesse texto.
Na tentativa de unificar o entendimento sobre hipnose e gerar uma definição comum, a divisão da Associação Americana de psicologia (APA – American Psychological Association) que trata de hipnose (divisão 30), chegou em um consenso em relação a uma nova definição em 2015:
“Um estado de consciência que envolve atenção focada e redução da consciência periférica, caracterizada por um aumento da capacidade de responder à sugestões6.”
Outra forma de entender mais sobre a hipnose é através dos estudos de neurociência, que utilizam exames de neuroimagem para entender os mecanismos da hipnose. Em brevíssimo resumo, podemos dizer que a hipnose consegue modular áreas áreas do cérebro (corticais e sub-corticais) e em pacientes com dor crônica as sugestões de analgesia são mais efetivas (com maior modulação) quando associadas a hipnose em comparação com as mesmas sugestões sem hipnose7.
A hipnose pode ser utilizada para tratamento da dor de cabeça?
Sabemos que a dor de cabeça é um sintoma comum a várias doenças e condições clínicas, como a enxaqueca, que é uma condição neurológica complexa com vários outros comprometimentos além da dor de cabeça. Sendo assim, antes de se submeter a qualquer tratamento que envolva a modificação desse sintoma, como a hipnose, o paciente deve procurar um profissional especialista na área para fazer uma avaliação clínica.
Uma meta-análise feita em 2000 sobre o efeito analgésico das sugestões em hipnose, sugere que a hipnose é efetiva tanto para dor (aguda e crônica) em ambiente clínico, quanto para dor provocada em sujeitos saudáveis em experimento laboratorial. Para 75% da população, a hipnose proporciona um alívio substancial da dor. E esse efeito analgésico parece ser diferente de acordo com o nível de suscetibilidade hipnótica8.
A susceptibilidade hipnótica pode ser medida com escalas validadas, onde as mais utilizadas são as escalas desenvolvidas pelo grupo de Harvard (Harvard Group Scale of Hypnotic Susceptibility,Form A) e pelo grupo de Stanford (the Stanford Hypnotic Susceptibility Scale,Form C). A utilização das duas escalas em conjunto é considerada como padrão ouro na avaliação da susceptibilidade hipnótica. São escalas de 12 pontos e permitem identificar os indivíduos altamente hipnotizáveis e os menos hipnotizáveis, tendo boas características psicométricas9.
Outra meta-análise, realizada em 2014, avaliou a eficácia da hipnose no manejo de várias condições de dor crônica. Esse estudo mostrou que a hipnose é moderadamente superior na redução da dor crônica quando comparada a outras formas de tratamento para dor. Quando avaliada em relação a dor de cabeça, a hipnose teve resultados similares a outras intervenções como o relaxamento muscular progressivo e o treinamento autógeno10. Peterson e Jensen (2003) sugerem que essa similaridade de efeito entre as abordagens descritas acima, se deve ao fato delas terem muitas similaridades técnicas, podendo ser consideradas como variações do tratamento hipnótico11.
Independente do tratamento recebido (hipnose, relaxamento muscular progressivo ou treinamento autógeno), os pacientes que tiveram melhores resultados no controle da dor de cabeça foram aqueles que pontuaram mais alto nas escalas de susceptibilidade hipnótica. Sendo assim, a pontuação na escala, uma boa forma de predizer um bom resultado na redução da dor de cabeça através desses tratamentos11. Segundo Patterson e Jensen (2003) pessoas com baixa pontuação na escala podem, através de treinamento e prática, aumentar sua susceptibilidade hipnótica11.
Uma revisão da literatura feita em 2007, sobre a eficácia da hipnose clínica em dores de cabeça e enxaqueca, destacou que além da redução na intensidade da dor de cabeça, a hipnose é capaz de aumentar a experiência de controle sobre a dor de cabeça. Essa sensação de controle é comumente gerada pelo treino em auto-hipnose, que acompanha muitos dos tratamentos de hipnose clínica, gerando a diminuição no sofrimento do paciente (contribuindo para o controle da dimensão afetiva da dor) 12.
Um trabalho recente (2019) comparou a utilização da hipnoterapia e meditação transcendental usando o relaxamento muscular progressivo como controle no tratamento de crianças e adolescentes de 9 a 18 anos com dor de cabeça primária. Sendo o estresse um fator importante para a cefaleia tensional e para enxaqueca, o estudo comparou as três técnicas não farmacológicas no controle da dor. As 3 técnicas foram igualmente seguras e bem-sucedidas na redução significativa da dor e na redução do uso de medicamento para dor. Esse resultado sugere que as três técnicas podem ser utilizadas de acordo com a preferencia do paciente13.
Assim, as técnicas como hipnoterapia, relaxamento muscular progressivo, meditação transcendental e treinamento autógeno, são igualmente eficientes no controle da dor de cabeça. Elas compartilham estruturas similares, onde todas frequentemente utilizam sugestões do tipo hipnóticas para conforto, foco de atenção e mudanças de percepção, e talvez devessem ser consideradas como variações do tratamento hipnótico11.
Cada vez mais os profissionais da saúde percebem a necessidade de realizar os atendimentos à distância, seja por comodidade ou pela impossibilidade do encontro presencial. No trabalho realizado por Niamh Flynn em 2019, um ensaio clínico controlado e aleatorizado, observou-se melhora significativa dos sintomas da dor de cabeça e diminuição de pensamentos catastróficos após o tratamento a distância14.
A hipnose pode e deve ser somada a outras abordagens terapêuticas e tem um grande valor quando utilizada em conjunto como a fisioterapia, pois amplia as possibilidades de modulação da dor (e muitos outros sintomas não mencionados nesse texto), além de ampliar o senso de observação e a habilidade de comunicação do fisioterapeuta.
Raphael Luz – Fisioterapeuta convidado
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Bibliografia:
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