A enxaqueca afeta 10% da população em geral (Robbins e Lipton, 2010), sendo uma das doenças mais incapacitantes em todo o mundo (Kassebaum, Arora, Barber et al, 2016), e aparecendo como segunda no ranking das afecções neurológicas (Feigin, Abajobir, Abate et al, 2015). Tendo isso em vista, reconhecer as condições associadas que possam contribuir para um pior prognóstico podem ajudar a alcançar melhores resultados clínicos. O ataque de enxaqueca é caracterizado pela hipersensibilidade a luz, som, cheiro, gosto, toque e até mesmo a atividade física (IHS, 2013; Kelman, 2004). Embora seja doença neurobiológica bastante conhecida (Goadsby, Holland, Martins – Oliveira et al, 2017), está associada com desordens do sistema musculoesquelético (Luedtke, Starke e May, 2018), que também podem contribuir para o desenvolvimento dos comportamentos de medo – evitação e cinesiofóbicos. O medo do movimento, conhecido também como cinesiofobia é uma condição que contribui e muito para um pior prognóstico do paciente.

 

O que é cinesiofobia?

 

Cinesiofobia é definida como um medo excessivo, irracional e debilitante do movimento e atividade física resultante de um sentimento de vulnerabilidade devido a uma lesão dolorosa ou a sua recidiva (Kori e Todd, 1990). É acompanhada pelos comportamentos de medo – evitação, que é definida como a não realização de movimento e atividade para não provocar dor. Por sua vez, isso leva a desconexão de atividades significativas, incapacidade e depressão (Vlaeyen e Linton, 2000; Moseley, 2011). A cinesiofobia e o comportamento de medo – evitação – representam um fator potencial de promoção e perpetuação para a cronificação da dor, particularmente a dor lombar (Vlaeyen e Linton, 2000; Fritz, George e Delitto, 2001). A cinesiofobia está presente em aproximadamente 79% dos indivíduos com dor musculoesquelética (Perrot, Trouvin, Rondeau et al, 2018), estando associada com uma maior incapacidade (Lentz, Sutton, Greenberg e Bishop, 2010; Doury – Panchout, Metivier e Fouquet, 2015; Cotchett, Lennecke, Medica, Whittaker e Bonanno, 2017) e indicativo de um pior prognóstico (Adnan, Van Oosterwijck, Cagnie et al, 2017).

 

A cinesiofobia está presente em aproximadamente 79% dos indivíduos com dor musculoesquelética

 

A sensibilização central é um outro fator importante que pode contribuir para o desenvolvimento dos comportamentos de medo – evitação (McLean, Clauw, Abelson e Liberzon, 2005). É definida como uma resposta aumentada dos neurônios nociceptivos no sistema nervoso central aos inputs aferentes normais ou sub – limiares (Malfliet, Kregel, Cagnie, Kuipers e Dolphens, 2015). Esse fenômeno é reconhecido como parte da patogênese da enxaqueca, ainda caracterizada por uma hiper – excitabilidade da via trigêmeo – vascular (Dodick, Silberstein, 2006; De Tommaso e Sciruicchio, 2016; Goadsby, Holland, Martins – Oliveira et al, 2017). Isso pode ser reconhecido clinicamente pela identificação de alodinia cutânea (Tietjen, Brandes, Peterlin et al, 2009), que está presente em cerca de 80% (Lipton, Bigal, Ashina et al, 2008; Benatto, Florencio, Carvalho et al, 2017) dos pacientes sofredores de enxaqueca, sendo considerado um fator de risco potencial para a cronificação e um pior prognóstico (Bigal, Ashina, Burstein et al, 2008).

Portanto, considerando a patogênese, é plausível que os pacientes com enxaqueca possam apresentar medo e queiram evitar o movimento e as atividades físicas. Um pior cenário clínico é bastante provável.

 

Resultados científicos: dor de cabeça e cinesiofobia

 

Em um estudo sobre cinesiofobia na enxaqueca, Martins, Gouveia e Parreira (2006) utilizando um questionário auto – estruturado, relataram que os indivíduos com enxaqueca evitaram o movimento da cabeça durante o ataque e que essa cinesiofobia os diferenciou dos pacientes com diagnóstico de dor de cabeça tensional.

A cinesiofobia, não restrita a um segmento específico, tem um impacto negativo na qualidade de vida e foi relacionada a um prognóstico mais pobre nos pacientes de dor lombar que foram submetidos a um programa de treinamento de exercícios (Adnan, Van Oosterwijck, Cagnie et al, 2017). Portanto, a sua identificação em pacientes com enxaqueca pode ajudar a melhorar a avaliação e o tratamento dessa condição incapacitante, considerando os benefícios do exercício físico no tratamento da enxaqueca (Irby, Bond, Lipton et al, 2016)

O estudo de Benatto, Bevilaqua – Grossi, Carvalho et al (2018) teve como objetivo determinar a prevalência de cinesiofobia em pacientes com enxaqueca utilizando a Escala de Cinesiofobia de Tampa (Tampa Scale for Kinesiophobia – TSK) e verificar a sua associação com a alodinia cutânea e uma pior apresentação clínica. Relatou-se que 53% dos pacientes com enxaqueca exibiram cinesiofobia, que esteve associada com uma maior severidade dos níveis de alodinia cutânea, mas não com a simples presença de alodinia ou outras características da enxaqueca. Concluiu-se que a cinesiofobia esteve presente em metade dos pacientes com enxaqueca, estando associada com a mobilidade em geral e não somente com o medo do movimento crânio – cervical. A presença da alodinia cutânea não foi relacionada a presença de cinesiofobia; todavia, uma maior severidade da alodinia cutânea foi observada nos pacientes com enxaqueca que apresentaram cinesiofobia.

Como a cinesiofobia apresenta um impacto negativo no tratamento das dores crônicas, identificar a sua prevalência em pacientes com enxaqueca aumenta o conhecimento sobre o perfil clínico do paciente em relação aos aspectos que podem afetar o seu prognóstico. Além disso, a compreensão da relação da cinesiofobia com as características clínicas da enxaqueca que são fatores de risco para a cronificação (alodinia cutânea) ou possam influenciar a incapacidade relacionada com a enxaqueca (frequência dos ataques) seria bastante válido para aumentar a possibilidade de melhores propostas de tratamento.

Jorge Arrigoni – EQUIPE HEAD & NECK FISIOTERAPIA

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