A enxaqueca é um distúrbio neurológico caracterizado por ataques de dor de cabeça latejante e sintomas neurológicos como náuseas, vômitos, hipersensibilidade a estímulos ambientais e alterações de humor. O desenvolvimento e curso da enxaqueca difere de paciente para paciente, onde um subconjunto experimenta um aumento na frequência ao longo de um período de meses ou anos. Este processo pode levar a uma forma crônica de enxaqueca que, de acordo com a Classificação Internacional de Distúrbios de Cefaléia (ICHD-3), é chamada de enxaqueca crônica.

Esta forma de enxaqueca é caracterizada por 15 ou mais dias de dor de cabeça por mês do qual pelo menos 8 dias por mês mostram o tipo característico de enxaqueca, por pelo menos 3 meses. Em 1982, Mathew et al. relataram uma série de pacientes com um histórico claro de ataques distintos de enxaqueca, cujas dores de cabeça evoluiu ao longo dos anos para um problema diário ou quase diário. Ele foi o primeiro a propor o termo “enxaqueca transformada”.

Clinicamente, a transformação ou cronificação da enxaqueca representa um aumento mais ou menos consistente na sua frequência até que, na maioria dos casos, ela se desenvolve em um estado de enxaqueca constante e muito frequente, incapacitante e com sintomas associados, aumento do uso de medicação aguda, assistência médica frequente e qualidade reduzida da vida. A dor de cabeça interfere na vida, no trabalho e resulta em um alto fardo da doença.

A prevalência estimada da enxaqueca crônica varia em todo o mundo amplamente entre 0,9% – 5%. A sua prevalência é três vezes mais comum em mulheres do que homens (18,9% vs. 9,8%) e apresenta dois picos entre as idades de 18-29 e 40-49 anos. Estima-se que o desenvolvimento da sua forma episódica para a crônica ocorra em aproximadamente 2,5% dos pacientes com enxaqueca por ano, enquanto apenas uma proporção limitada reverte para a forma episódica. Subjacente a este processo, estão ocorrendo alterações neurológicas centrais e periféricas funcionais e até mesmo estruturais.

O desenvolvimento para a enxaqueca crônica não ocorre em todos os pacientes com a forma episódica. Portanto, a identificação de fatores de risco associados à sua transformação / cronificação pode fornecer informações cruciais para a compreensão dos mecanismos subjacentes. Estudos epidemiológicos descreveram fatores clínicos que são mais comuns nos pacientes crônicos em comparação com os episódicos. Apesar disso foi descrita uma associação estatisticamente relevante entre a enxaqueca crônica e dados demográficos, estilos de vida, comorbidades ou outras características da enxaqueca. Os mecanismos fisiopatológicos subjacentes ainda precisam ser elucidados. Fatores de risco clínicos para transformação da enxaqueca podem ser divididos em não modificáveis ​​e modificáveis. Os fatores de risco não modificáveis ​​incluem principalmente características sociodemográficas. Fatores modificáveis, que podem fornecer alvos para intervenção, incluem fatores de estilo de vida, características e comorbidades da cefaleia.

Embora a fisiopatologia da enxaqueca possa não estar diretamente relacionada com distúrbios musculoesqueléticos, frequentemente a dor cervical é relatada por pacientes com enxaqueca, estando ainda mais presente do que a náusea. A associação entre dor cervical e enxaqueca é forte. A presença de enxaqueca é um fator de risco para o desenvolvimento de dor cervical, e disfunção cervical pode influenciar a história natural da enxaqueca, aumentando o RISCO DE CRONIFICAÇÃO.

O tratamento da enxaqueca crônica se concentra no gerenciamento das escolhas de estilo de vida e dos gatilhos da dor de cabeça, no controle dos ataques e no fornecimento de tratamentos preventivos para reduzir os ataques.

Mudanças no estilo de vida incluem: Perder peso se você estiver com sobrepeso, iniciar um plano de exercícios planejado pelo seu fisioterapeuta especializado, gerenciamento do estresse (meditação, ioga, treinamento de relaxamento ou respiração consciente), desenvolver um regime de rotina em relação aos horários das refeições e lanches (não pular refeições), estar sempre bem hidratado, início do tratamento para qualquer transtorno de humor existente (incluindo depressão e ansiedade) ou problema de sono.

O plano de tratamento farmacológico típico consiste em dois planos distintos e que devem ser sempre planejados pelo profissional médico, de preferência um neurologista cefaliatra. O primeiro consiste no gerenciamento dos ataques de enxaqueca e inclui: tratar os ataques de enxaqueca no início, quando a dor é leve; começar com um analgésico simples (paracetamol, aspirina, ibuprofeno, naproxeno) e aumentar lentamente a dose conforme necessário até a dose máxima tolerada, a menos que a dor de cabeça seja intensa no início ou se torne severa. Nesses casos, adiciona-se um triptano ao medicamento acima para melhorar a eficácia. Deve-se evitar o uso de opiáceos, se possível. O neurologista cefaliatra elaborará um plano de tratamento para evitar o agravamento da dor de cabeça crônica pelo uso excessivo de medicamentos. Os efeitos colaterais associados, como náuseas, devem ser tratados. O segundo consiste no tratamento preventivo, que visa reduzir o número de dores de cabeça e incluem: betabloqueadores, bloqueadores de angiotensina, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes, injeções de toxina A onabotulínica e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina.

As intervenções direcionadas ao sistema musculoesquelético, mais precisamente a coluna cervical vem recebendo bastante atenção e apresentam algumas evidências. Segundo Carvalho et al, a incapacidade relacionada a dor cervical foi altamente prevalente em pacientes com enxaqueca, especialmente naqueles que apresentavam a sua forma crônica. Incapacidade relacionada à dor cervical foi associada ao risco de desenvolver enxaqueca crônica. A correlação entre a amplitude de movimento e a incapacidade relacionada à dor cervical foi de fraca a moderada, no entanto, quando o paciente relata dor durante o movimento cervical, esta correlação aumentou para moderada em pacientes com enxaqueca crônica. Segundo Aoyama, evidências sugerem que a incapacidade cervical deve ser considerada na prevenção e tratamento da enxaqueca. Portanto, uma avaliação minuciosa realizada pelo fisioterapeuta especializado e um tratamento adequado da coluna cervical (principalmente a cervical alta) através da terapia manual, exercícios e agulhamento podem ajudar no tratamento dos pacientes de enxaqueca crônica. Exercícios aeróbicos parecem melhorar os sintomas da enxaqueca crônica. O exercício aeróbico pode tornar a terapia farmacológica mais efetiva.