A enxaqueca ou migrânea é a segunda maior desordem incapacitante ao redor do mundo. Além disso, no grupo que compreende pessoas de 15 – 49 anos, a enxaqueca é a maior causa de anos vividos com incapacidade (Steiner, Stovner, Vos, Jensen, Katsarava, 2018), amplificando seu impacto na população que representa a força de trabalho (Steiner, Stovner, Vos, Jensen, Katsarava, 2018). Na média, são perdidos 18 dias de trabalho ou atividades domiciliares/ano por cada paciente de enxaqueca. A média de custo anual por pessoa gira em torno dos 6.000 reais, o que gera altos custos para a sociedade (Edmeads, Mackell, 2002). Hoje vamos falar sobre a relação enxaqueca e exercícios aeróbicos!

O uso de tratamento farmacológico profilático é recomendado se: a dor de cabeça está presente por mais de 8 dias/mês, incapacidade está presente apesar da medicação para o momento agudo do ataque, dor de cabeça presente por mais de 3 dias/mês quando a medicação para os momentos de agudização não se mostra efetiva (Pringsheim, Davenport, Mackie, Worthington, Aubé, Christie, 2012; Marmura, Silberstein, Schwedt, 2015; Becker, Findlay, Moga, Scott, Harstall, Paul et al, 2015; DeMaagd, 2008). Essas drogas profiláticas, entretanto, podem não ser muito bem toleradas ou até mesmo podem ocorrer solicitações de alternativas não farmacológicas (Marmura, Silberstein, Schwedt, 2015; Kowacs, Piovesan, Tepper, 2009; Barbanti, Aurilla, Egeo, Fofi, 2011). Na enxaqueca, outros tratamentos profiláticos não farmacológicos como estratégias de auto cuidado, terapia manual e exercício aeróbico também tem sido utilizado (Koseoglu, Yetkin, Ugur, Bilgen, 2015; Chalbi, Tuchin, Russell, 2011; Irby, Bond, Lipton, Nicklas, Houle, Penzien, 2016, Probyn, Bowers, Mistry, Caldwell, Underwood, Patel et al, 2017; DeMaagd, 2008; Amin, Aristeidou, Baraldi, Czapinska-ciepiela, Ariadni, Di et al, 2018).

O raciocínio para a utilização do exercício aeróbico na enxaqueca se baseia no seu papel substancial na modulação de processamento da dor (Lima, Abner, Sluka, 2017; Naugle, Fillingim, Riley, 2012; Simons, Elman, Borsook, 2012; Daenen, Varkey, Kellmann, Nijs, 2015). Além disso, os efeitos analgésicos tanto dos exercícios de curta e longa duração foram observados nos níveis periférico e central (Lima, Abner, Sluka, 2017; Naugle, Fillingim, Riley, 2012; Daenen, Varkey, Kellmann, Nijs, 2015).

 

A enxaqueca e exercícios aeróbicos

 

Em 2008, a primeira revisão sobre o efeito do exercício aeróbico no tratamento da enxaqueca apresentou resultados promissores, todavia inconclusivos (Busch et al, 2008). Durante a década passada, novos estudos utilizando o exercício aeróbico como um tratamento profilático para a enxaqueca foram publicados.

Lemmens et al (2019) realizou uma meta – análise e relatou evidência moderada de que o exercício aeróbico pode promover um decréscimo de 0.6 dias/mês em pacientes com enxaqueca. A relevância clínica desse achado é baixa. No entanto, pode ser interessante se for adicionado ao valor dos cuidados usuais atuais. Além disso, terapias com intensidades mais altas podem ter resultados interessantes, pois a intensidade utilizada nos estudos incluídos foi baixa. Esse achado está de acordo com os de Busch et al (2008), que encontrou um decréscimo de 3.7 dias de enxaqueca/mês. Todavia, esse resultado está baseado em um único relato. Na revisão Busch et al dois estudos randomizados controlados (Lockett, Campbell, 1992; Gerber, Miltner, Gabler, Hildebrand, Larbig, 1987) e cinco estudos de coorte (Fitterling, Martin, Gramling, Cole, Milan, 1988; Köseglu, Akboyraz, Soyuer, Ersoy, 2003; Grimm, Douglas, Hanson, 1981; Fischer, Heller, Giesler, Hollmann, 1994; Nordlander, Cider, Carlsson, Linde, 2007) foram incluídos. No entanto, nenhum dos estudos alcançou um critério válido de boa prática clínica. Em 2015, Luedtke et al avaliou intervenções utilizadas por fisioterapeutas para pacientes com dor de cabeça e uma delas foram os exercícios aeróbicos. Baseado em seis estudos, a sua metanálise indicou uma redução de 2.99 dias de enxaqueca, embora não significativa (p=0.23). Em contraste, a coleta de dados de um estudo clínico controlado (Darabaneanu, Overath, Rubin, Lüthje, Sye, Niederberger et al, 2011) e três estudos randomizados controlados (Hanssen, Minghetti, Magon, Rossmeissl, Rasenack, Papadopoulou et al, 2018; Santiago, Carvalho, Gabbai, Machado, Pinto, Correa Moutran, 2014; Kroll, Hammarlund, Linde, Gard, Jensen, 2018) mostrou uma redução significativa nos dias de enxaqueca/mês. Foram obtidas reduções médias pela utilização da diferença entre os dados pré e pós intervenção. Além disso, todos os estudos utilizaram um protocolo de exercícios de longo prazo (pelo menos 10 semanas). Isso pode explicar as diferenças entre os resultados de Lemmens et al (2019) e os da revisão sitemática de Luedtke et al (2015).

Lemmens et al (2019) relataram que os fármacos topiramato e os tricíclicos antidepressivos apresentaram resultados similares quando comparados ao exercício aeróbico na diminuição do número de dias/mês de enxaqueca (Varkey, Cider, Carlsson, Linde, 2011). O exercício aeróbico parece ser uma alternativa válida, levando-se em conta que os efeitos colaterais são comuns nos tratamentos farmacológicos – exemplos: mudanças no peso corporal, perda de memória e fadiga (Pringsheim, Davenport, Mackie, Worthington, Aubé, Christie, 2012; Silberstein, 2015; Estelmalik e Tepper, 2013).

Em relação a duração dos ataques de enxaqueca, reduções leves a moderadas (20-27%) foram relatadas (Darabaneanu, Overath, Rubin, Lüthje, Sye, Niederberger et al, 2011; Santiago, Carvalho, Gabbai, Machado, Pinto, Correa-Moutran et al, 2014; Kroll, Hammarlund, Linde, Gard, Jensen, 2018), como uma redução de 20 horas pós-tratamento em um estudo (Kroll, Hammarlund, Linde, Gard, Jensen, 2018). Esse resultado é similar a conclusão de Busch et al (2008).

Ainda segundo a revisão feita por Lemmens et al (2019), o exercício aeróbico pode reduzir a intensidade da dor (20-54%) em pacientes com enxaqueca, confirmando os resultados de Busch et al. Os efeitos analgésicos nos níveis periférico e central também foram relatados (Lima, Abner, Sluka, 2017; Naugle, Fillingim, Riley, 2012; Daenen, Varkey, Kellmann, Nijs, 2015). Além disso, há alguma evidência de que os pacientes utilizem menos fármacos analgésicos através da realização de exercícios aeróbicos (Varkey, Cider, Carlsson, Linde, 2011). Esses resultados contradizem os achados de Busch et al, que concluíram que a ingestão de analgésicos não foi alterada pelos exercícios aeróbicos.

Lemmens et al (2019) apresentaram alguma evidência para um maior efeito do tratamento ao combinar o exercício aeróbico como amitriptilina (Santiago, Carvalho, Gabbai, Machado, Pinto, Correa-Moutran et al, 2014).

Em resumo, segundo a revisão de Lemmens et al (2019), existe uma evidência moderada de que o exercício aeróbico diminui o número de dias (Darabaneanu, Overath, Rubin, Lüthje, Sye, Niderberger et al, 2011; Hanssen, Minghetti, Magon, Rossmeissl, Rasenack, Papadopoulou et al, 2018; Varkey, Cider, Carlsson, Linde, 2011; Kroll, Hammarlund, Linde, Gard, Jensen, 2018). Adicionalmente, há alguma evidência de que o exercício aeróbico diminui a duração dos ataques e a intensidade da dor (Darabaneanu, Overath, Rubin, Lüthje, Sye, Niderberger et al, 2011; Santiago, Carvalho, Gabbai, Machado, Pinto, Correa-Moutran et al, 2014; Kroll, Hammarlund, Linde, Gard, Jensen, 2018).

 

Jorge Arrigoni – Equipe Head & Neck Fisioterapia

 

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