Hoje vamos dar continuidade ao texto “modelo de classificação das cefaleias – parte 1”, publicado no dia 26 de março de 2020! Caso você não tenha lido, clique no link abaixo!

MODELO DE CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS – PARTE 1

Vamos lá!

Uma distinção importante, portanto, é que esse modelo incorpora as aferências da região cervical alta (C1-3), enquanto o modelo “VSM” é essencialmente confinado ao sistema trigeminal. Se o paciente tem um componente vascular significativo a sua dor de cabeça se apresenta com características de enxaqueca, enquanto se o componente somático predomina o resultado seria uma cefaleia tensional episódica. Os defensores dessa teoria consideram que tanto a cefaleia cervicogênica quanto a tensional episódica como parte terminal somática do continuum e utilizam o termo “cervicogênica” como um descritor e não diagnóstico (Nelson, 1994). Enquanto a cefaleia tensional episódica, enxaqueca e cefaleia cervicogênica são consideradas entidades distintas (IHS, 2013 e 2018), existem evidências de que os fatores cervicais estão envolvidos na patogênese da cefaleia tensional (Vernon, Steiman, Hagino, 1992; Watson e Trott, 1993; Jull, Amiri, Bullock – Saxton, Darnell, Lander, 2007 (1); Amiri, Jull, Bullock – Saxton, Darnell, Lander, 2007 (2); Jull, Bogduk, Marsland, 1988; Jull, Zito, Trott, Potter, Shirley, 1997; Jaeger, 1989; Meloche, Bergeron, Bellavance, Morand, Huot, Belzile, 1993; Vernon, 1989; Pfaffenrath, Dandekar, Mayer, Hermann, Pollman, 1988; van Ettekoven e Lucas, 2006; Marcus, Scharff, Mercer, Turk, 1999; Fernandez-de-las-Penas, Perez-de-Heredia, Molero-Sanchez, Miangolarra-Page, 2007) e da enxaqueca (Vernon, Steiman, Hagino, 1992; Meloche, Bergeron, Bellavance, Morand, Huot, Belzile, 1993; Vernon, 1989, Marcus, Scharff, Mercer, Turk, 1999; Blau e MacGregor, 1994; Calhoun, Ford, Millen, Finkel, Truong, Nie, 2010).

Incorporar e desenvolver as influências convergentes sobre o NTC seria a “hipótese da convergência” (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002; Cady, 2007). Instrumental no desenvolvimento dessa hipótese foram os estudos demonstrando uma eficácia uniforme do sumatriptan, não apenas em pacientes que preenchiam os critérios da IHS para enxaqueca com ou sem aura, mas também em indivíduos com enxaqueca – não IHS – exemplo: critérios da IHS para as enxaquecas prováveis e cefaleia tensional episódica (Lipton, Stewart, Cady, 2000; Cady, Gutterman, Saiers, Beach, 1997). Essa hipótese, assim como no “modelo do continuum”, postula que um único e mutável processo fisiopatológico é responsável pelas apresentações vacilantes evidentes na enxaqueca.

Incluída nesse processo está a mesclagem e integração das informações aferentes dos ramos oftálmico, maxilar e mandibular do nervo trigêmeo e os dermatomos da coluna cervical alta no NTC. A influência dos efeitos inibitórios e excitatórios supraespinhais no NTC é igualmente significativa (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002). Na ocorrência de uma desinibição ou sensibilização central continuada se estendendo aos neurônios de segunda ordem no NTC, as informações aferentes trigeminais e cervicais (C1-3) são amplificadas. Se esse processo cessa logo após o seu início, o resultado seria uma dor de cabeça espelhando uma cefaleia tensional episódica, e se continua ininterruptamente, seriam preenchidos os critérios para enxaqueca com todos os seus sintomas associados. Se o processo termina na metade do caminho, se configuraria o diagnóstico de enxaqueca provável da IHS (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002). Esse processo incorpora o aumento da severidade da dor e sintomas associados elucidados em estudos anteriores que sugeriram um “continuum” de severidade (Lipton, Stwart, Cady et al, 2000; Lipton, Diamond, Reed, Diamond e Stewart, 2001; Cady, 2007; Peres, Gonçalves, Krymchantowski, 2007; WE W, 1972; Featherstone, 1985; NH R, 1998; Waters, 1986; Sacco, 2008; Couch, Ziegler, Hassanein, 1975; Waters, 1973; Philips, 1977; Bakal e Kaganov, 1979; JR G, 1955; Spierings, 2001; Cady, Gutterman, Saiers e Beach, 1997; Celentano, Stwart e Linet, 1990; Kaganov, Bakal e Dunn, 1981; Thompson, Haber, Figueroa e Adams, 1980; Nelson, 1994; Vargas, 2008, Cady, Garas, Patel, Peterson, Wenzel, 2014; Martin, 1967; Graham, 1979; Saper, 1978; Bigal, Sheftell, Rapoport, Lipton e Tepper, 2002; Ziegler, 1985; Scharff, Turk, Marcus, 1995; Lane, 2006; Haque, Rahman, Hoque et al, 2012; Wolff, Tunis, 1952; Tunis, Wolff, 1954; Brennim, Kjeldsen, Olesen, 1992; Brennum, Schriver, Wanscher, Sclrensen, Tfelt – Hansen, Olesen, 1996; Diamond, Medina, 1981; Lindegaard, Ovrelid, Sjaastad, 1980; Rasmunssen, 1992; Mathew, 1981; Carasso, Yehuda, Streifler, 1979).

 

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Pela convergência das informações aferentes viscerais, trigeminais e vertebrais no núcleo do trato solitário, um processo de escalada de sensibilização poderia explicar a náusea e o vômito associado a enxaqueca (Benarroch, 2006). Tal proposta vem recebendo suporte de estudos em que dores de cabeça recorrentes (induzidas por um bloco de gelo aplicadas na região temporal da crâneo) provocaram náusea em indivíduos com enxaqueca, mas não no grupo controle (Drummond e Granston, 2005). Além disso, esse efeito foi amplificado durante e após a provocação de enjôo. Esse achado pode representar uma hiper – excitabilidade nas vias emética e trigeminal (Drummond e Granston, 2004 e 2005).

A hipótese da “convergência” também descreve a cefaleia tensional episódica apresentando uma dor unilateral – a princípio uma característica da enxaqueca. Isso pode sugerir uma ativação assimétrica do NTC (Afridi, Matharu, Lee et al, 2005). Essa possibilidade recebeu suporte de um estudo que demonstrou a ativação ipsilateral da região dorsolateral da ponte no tronco encefálico em episódios de dores de cabeça unilaterais induzidas por glicerol trinitrato (Afridi, Matharu, Lee et al, 2005) A ativação unilateral também ocorreu nas cefaleias bilaterais com predominância unilateral (Afridi, Matharu, Lee et al, 2005)

Além disso, como já mencionado nos modelos “VSM” e “cefaleia tensional – enxaqueca continuum”, a variabilidade dos sintomas poderia ser uma manifestação da magnitude de vários tipos de inputs aferentes (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002). Por exemplo, se a desinibição afeta primariamente a contribuição do ramo oftálmico do trigêmeo, uma enxaqueca preenchendo os critérios da IHS se configura; de outra forma, se tal fato ocorre com as aferências do ramo mandibular e/ou coluna cervical alta, se desenvolve uma cefaleia tensional episódica. Uma outra apresentação comum de dor de cabeça, erroneamente interpretada como “dor de cabeça secundária aos seios da face” pode também ocorrer, quando uma desinibição das aferências do ramo maxilar for mais profunda (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002)

Uma característica adicional que reforça o conceito de que a enxaqueca e cefaleia tensional estão intimamente relacionadas é transformação da enxaqueca para uma apresentação de dor de cabeça diária ou próxima disso. Muitos desses pacientes, tem uma história de enxaqueca, levando a uma íntima ligação entre a enxaqueca e as dores de cabeça diárias (Cady, Schreiber, Farmer, Sheftell, 2002). Nessa transformação, a enxaqueca episódica quase sempre assume uma apresentação parecida com a da cefaleia tensional crônica (CTC), seguindo os critérios da IHS (exemplo: aumento da duração dos episódios, com decréscimo da severidade e diminuição das características associadas) (Mathew, Stubits, Nigam, 1982; Mathew, Reuveni, Perez, 1987). Essa metamorfose (cronificação) da enxaqueca episódica para uma apresentação similar a CTC acentua a progressão de um processo fisiopatológico em comum (Peres, Gonçalves, Krymchantowski, 2007).

Inicialmente a única classificação descrevendo a dor de cabeça diária era a da CTC (IHS, 1988). Todavia, foi considerada inapropriada, pois a maioria dos pacientes que eram classificados como CTC também tinham a experiência de enxaqueca ou de alguns de seus sintomas. Além disso, essas cefaleias diárias na maioria das vezes evoluem da enxaqueca episódica; portanto, considerá-las como modalidade da cefaleia tensional foi considerado incongruente (Peres, Gonçalves, Krymchantowski, 2007). Atualmente, após várias terminologias serem propostas, notavelmente, “transformadas” ou “enxaqueca evoluída” (Mathew, Stubitis, Nigam, 1982), esse grupo de “dor de cabeça crônica diária” é classificado pela IHS como “enxaqueca crônica”. Notadamente, na descrição de enxaqueca crônica, uma dor de cabeça que lembra uma cefaleia tensional é permitida (IHS, 2013 e 2018).

Em resumo …

Uma quantidade substancial de estudos demonstrou uma sobreposição significativa dos sintomas entre a cefaleia tensional episódica e a enxaqueca, a existência de formas modificadas, a experiência da coexistência das duas entidades e a transformação da enxaqueca para uma dor de cabeça semelhante a tensional crônica. Portanto, enxaqueca e cefaleia tensional, baseado em um grupo de sinais e sintomas, podem representar pontos diferentes em um continuum e não entidades discretamente diferentes. Esse fato é reconhecido pela IHS, como evidenciam as subsequentes revisões do sistema de classificação (IHS, 2004, 2013 e 2018).

Todavia, o dilema entre um único mecanismo comum como base no espectro da dor de cabeça, ou se dois ou mais mecanismos interagem para produzir dor de cabeça, pode ser somente determinado por mais estudos sobre a fisiopatologia da dor de cabeça (Drummond e Lance, 1984).

 

Jorge Arrigoni – Equipe Head & Neck Fisioterapia

 

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