A enxaqueca e a cefaleia tensional são os tipos de dor de cabeça mais prevalentes e estão frequentemente associadas com dor cervical. Atualmente já existe uma ampla variedade de opções de tratamentos para as pessoas com cefaleia e cervicalgia, inclusive (já apresentando evidência científica suficiente que comprove a sua eficácia) com recomendações em guidelines internacionais (estratégias de auto-tratamento,  as estratégias farmacológicas e não farmacológicas são algumas dessas opções). O tratamento fisioterapêutico já é utilizado para o tratamento das cefaleias há pelo menos 35 anos e embora a sua abordagem seja predominantemente direcionada para a coluna cervical (principalmente cervical alta C1-C3), o background neurofisiológico dessa intervenção permanece necessitando de pesquisas e novos estudos com um número maior de pacientes participantes.

Um conhecimento recente proveniente da neurociência promete melhorar o raciocínio clínico no tratamento fisioterapêutico da dor de cabeça. Diversos modelos neurofisiológicos (exemplos: dor referida e sensibilização central) são propostas para a compreender a ocorrência conjunta da cefaleia e dor cervical. Essas informações podem ser valorosas no entendimento do tratamento fisioterapêutico como opção para os indivíduos que apresentem tal quadro. Vamos falar sobre isso a partir de agora. O artigo será dividido em 3 partes. Vamos lá?

As cefaleias causam dor e incapacidade significativa na vida diária das pessoas e gera uma alta carga e custo para a sociedade. Estima-se que apenas na Europa esses valores sejam na casa de dezenas de bilhões de euros por ano (Linde, Gustavsson, Stovner, Steiner, Barrè, Katsarava et al, 2012). As cefaleias primárias com maior prevalência em todo mundo são a tensional e a enxaqueca e como já dito anteriormente, estes tipos de dor de cabeça associam-se frequentemente a dores cervicais (Landgraf, von Kries, Heinen, Laghagen, Straube e Albers, 2016; Plesh, Adams e Gansky, 2012).

 

CEFALEIA X CERVICAL – TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO

 

Um estudo recente reportou uma prevalência de 68,4% de dor cervical em 1 ano, sendo que ainda maior em indivíduos com diagnóstico de cefaleias primárias quando comparados ao grupo saudável (85,7% versus 56.7%). Após o ajuste por idade, sexo, escolaridade e autoavaliação de saúde, a prevalência de dor cervical (56,7%) ainda foi significativamente maior em pessoas com apenas cefaleia tensional (88,4%), enxaqueca (76,2%) e as duas juntas (89,3%) em comparação com o grupo sem dor de cabeça (Ashina, Bendtsen, Lyngberg, Lipton, Hajiyeva e Jensen, 2015). Pessoas com cefaleias e dores cervicais frequentemente procuram prestadores de cuidados de saúde, como médicos e fisioterapeutas em sua busca por diagnóstico e tratamento (Moore, Sibbritt e Adams, 2017). Um amplo leque de opções de tratamentos estão disponíveis, como já dito anteriormente e a fisioterapia é frequentemente utilizada em todo o mundo como uma forma de tratamento alternativo ou complementar e incluída em diversos guidelines clínicos como uma das opções de tratamento (The European Federation of Neurological Societies – EFNS e no Italian Guideline for Primary Headaches) (Moore, Sibbritt e Adams, 2017; Bendtsen, Evers, Linde, Mitsikostas, Sandrini e Schoenen, 2010; Sarchielli, Granella, Prudenzano, Pini, Guidetti, Bono et al, 2012).

 

As pesquisas contribuíram para novas descobertas neurofisiológicas na relação entre cefaleia e dor cervical

 

Na prática diária, uma combinação de opções de tratamento é frequentemente utilizada e o ajuste entre as intervenções farmacológicas (fase aguda e profilaxia) e não farmacológicas (fisioterapia, biofeedback e educação) é de fato considerada uma abordagem eficiente para tratamento da cefaleia (Gaul, Lisering-Latta, Scha, Fritsche, Holle, Schäfer et al, 2016). Pesquisas adicionais relacionadas a estratégias de tratamentos profiláticos não farmacológicos se mostra necessária e urgente (Coppola, Di Lorenzo, Serrao, Parisi, Schoenen e Pierelli, 2016). Para as disciplinas que visam diminuir as cefaleias através do tratamento da coluna cervical é fundamental, para o raciocínio clínico, entender o contexto neurofisiológico da cefaleia e da dor cervical (Fernández-de-las-Peñas e Cuadrado, 2016). Recentemente, surgiram novas ideias sobre a relação entre os inputs extracranianos originados da coluna cervical alta e a dor de cabeça a partir de pesquisas com animais e seres humanos (Burstein, Blake, Schain e Perry, 2017). Essa informação recente pode ser de grande valia para  que se possa entender e delinear as abordagens fisioterapêuticas para os diferentes tipos de cefaleia onde a dor cervical está presente.

É importante descrever os achados neuro-anatômicos e neurofisiológicos extraídos de pesquisas sobre o complexo trigêmeo-cervical e subsequente discussão sobre os modelos neurofisiológicos que explicam a ocorrência concomitante de cefaleia e dor cervical como: dor referida e alta excitabilidade generalizada. Apresentar a relação da disfunção da coluna cervical com a cefaleia, além das pesquisas sobre a modulação nociceptiva no núcleo trigêmeo cervical e descrever o tratamento fisioterapêutico como uma opção para tratar a cefaleia e dor cervical.

 

COMPLEXO TRIGÊMEO-CERVICAL – BASES ANATÔMICAS

 

As pesquisas contribuíram para novas descobertas neurofisiológicas na relação entre cefaleia e dor cervical. O conhecimento das estruturas neuro-anatômicas e da atividade neural no complexo trigêmeo-cervical parece ser primordial. A frequente ocorrência conjunta de cefaleia e dor cervical é atribuída a inervação nociceptiva comum da cabeça e pescoço no corno dorsal medular (C1-2), localizado no complexo trigêmeo-cervical.  Estudos anatômicos em animais e humanos mostraram que o complexo trigêmeo-cervical estende-se da região bulbar (núcleo oral e interpolar) até os primeiros dois segmentos cervicais (núcleo caudal). A parte caudal recebe estímulos nociceptivos dos neurônios aferentes de primeira ordem (A delta e C) do ramo oftálmico (V1) juntamente com os mesmos neurônios originados no corno dorsal medular de C2. Esses neurônios aferentes estão conectados de forma direta ou indireta através dos neurônios dinâmicos de segunda ordem (Phelan e Falls, 1991). O ramo oftálmico do trigêmeo transmite impulsos nociceptivos através de fibras nervosas aferentes de pequeno diâmetro (A delta e C) para os neurônios nociceptivos de segunda ordem localizados nas camadas superficiais e profundas do corno dorsal medular de C1-2 que fazem parte do complexo trigêmeo-cervical (Schepelmann, Ebersberger, Pawlak, Oppmann e Messlinger, 1999; Levy e Strassman, 2002).

A raiz de C2 é responsável pelas informações aferentes (A delta e C) vindas dos vasos e dura-máter da região da fossa posterior craniana e estruturas miofasciais dos segmentos cervicais superiores. Esses impulsos nociceptivos transmitidos pelo nervo originado na raiz cervical alta de C2 estão bem documentados e tem uma sobreposição estrutural com terminações nervosas nociceptivas do ramo oftálmico nos cornos dorsais medulares C1-2 no complexo trigêmeo-cervical (Abrahams, Anstee, Richmond, Rose, 1979; Vernon, Sun, Zhang, Yu, Sessle, 2009; Bartsch e Goadsby, 2002 e 2003; Kerr, 1972; Chudler, Foote e Poletti, 1991; Hu, Sun, Vernon e Sessle, 2005; Morch, Hu, Arendt-Nielsen e Sessle, 2007; Le Doaré, Akerman, Holland, Lasalandra, Bergerot e Classey, 2006). Schueler et al. sugerem uma origem extracraniana nociceptiva meníngea demonstrando in vitro que colaterais de aferentes trigêmeos formam conexões funcionais entre tecidos intra e extracranianos em ratos e humanos. Então, a informação dos músculos ao redor do crânio pode alcançar a dura-máter por condução orto e antidrômica através de colaterais axonais e possivelmente influenciar as funções meníngeas e a geração de dor de cabeça em humanos (Schueler, Messlinger, Dux, Neuhuber e De Col, 2013; Schueler, Neuhuber, De Col e Messlinger, 2014). Esta descoberta sobre conexões aferentes colaterais combina com a relação anatômica (Palomeque-Del-Cerro, Arráez-Aybar, Rodríguez-Blanco, Guzmán-García e Menendez-Aparicio, 2016) e funcional (Venne, Rasquinha, Kunz e Ellis, 2017) da dura-máter com os músculos suboccipitais na região cervical alta em humanos. Portanto, a conexão neuro-anatômica entre as aferências nociceptivas oftálmicas e cervicais nos neurônios de segunda ordem na parte caudal do complexo trigêmeo-cervical é essencial para o entender a ocorrência de cefaleia e dor cervical.

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Dr. Jorge Arrigoni – Equipe Head & Neck Fisioterapia