Hoje vamos continuar o assunto inicio no artigo publicado em 27/11/2019! (se você ainda não leu, clique aqui!)
Vamos falar mais sobre o tratamento fisioterapêutico da cefaleia e cervicalgia!
Dor Referida
A convergência de fibras nociceptivas de pequeno diâmetro (“A delta” e C) que se originam na coluna cervical e na área de inervação do trigêmeo no corno dorsal medular C1-2 fornece uma base neuro-anatômica para o fenômeno clínico da dor referida. A ocorrência concomitante de cefaleia e dor cervical pode ser explicada pela dor referida: a dor originária na cervical é percebida como originária da cabeça e vice-versa.
Evidências dos estudos com animais
Estudos neurofisiológicos experimentais em animais registrando os inputs das fibras nervosas aferentes nociceptivas no corno dorsal medular de C1-2 em animais contribuíram para a compreensão da dor referida em ambas as direções: da cervical para a cabeça (Vernon, Sun, Zhang, Yu, Sessle, 2009) e vice-versa (Bartsch e Goadsby, 2003). Vernon et al relataram o aumento da atividade no corno dorsal medular de C1-2 em ratos após a injeção de óleo de mostarda (inflamatório) em tecido paravertebral profundo no nível da articulação C1-2 à esquerda. A ativação de aferências do nervo trigêmeo originadas na dura-máter supratentorial pelo óleo de mostarda mostrou uma ampliação dos campos mecanorreceptores cutâneos cervicais somado um aumento significativo (p<0.001) na excitabilidade das fibras neurais tipo C pela estimulação elétrica do nervo occipital maior (Bartsch e Goadsby, 2003).
A estimulação elétrica unilateral do nervo occipital maior em gatos aumentou a atividade metabólica no corno dorsal de C1-2. O estímulo de estruturas inervadas pelo trigêmeo, apresentaram uma distribuição similar na parte caudal do núcleo no complexo trigêmeo-cervical (Goadsby, Knight e Hoskin, 1997). Baseado nesses dados, o já reconhecido fenômeno clínico da cefaleia que é percebida nas regiões frontal e occipital, além da dor na cervical alta podem ser o resultado de uma sobreposição de informações nociceptivas no nível dos neurônios de segunda ordem.
A cefaleia que ocorre durante um ataque de enxaqueca parece se basear primariamente na ativação das vias trigêmeo-vasculares pelo aumento dos inputs através das fibras neurais nociceptivas viscerais (A delta e C) provenientes da dura-máter e dos vasos intracranianos e que chegam ao complexo trigêmeo-cervical. Esses inputs são geralmente restritos ao território do ramo oftálmico, mas podem se estender como dor para a região occipital que é inervada pelo nervo occipital maior (C2) (Bartsch e Goadsby, 2005). Esses resultados indicam que a cefaleia assim como a dor cervical podem ser percebidas como dor referida.
Evidência dos estudos com seres humanos
Evidência clínica de dor referida com base na convergência dos inputs aferentes nociceptivos cervicais e do ramo oftálmico do nervo trigêmeo que têm origem em diferentes estruturas vem sendo observado em estudos com seres humanos. As observações clínicas vem mostrando que os inputs nociceptivos originados nas artérias intracranianas, mas também aqueles extracranianos como da artéria vertebral, são capazes de provocar sensações dolorosas na região frontal da cabeça (Maruyama, Nagoya, Kato, Deguchi, Fukuoka, Ohe et al, 2012; Gottesman, Sharma, Robinson, Arnan, Tsui e Ladha, 2013).
A provocação da dor de cabeça pela aplicação de estímulos nociceptivos experimentais na região da coluna cervical alta foi relatado em diversos estudos. A injeção de solução salina nas regiões cervical e suboccipital (Schmidt-Hansen, Svensson, Jensen, Graven-Nielsen e Bach, 2006), água estéril (Piovesan, Kowacs, Tatsui, Lange, Ribas, Werneck, 2001) e estimulação neural de baixa frequência (Johnston, Jordan e Charles, 2013) sobre as raízes dorsais da coluna cervical alta provocaram cefaleia. Bogduk descreveu em uma revisão sobre o diagnóstico e tratamento da cefaleia cervicogênica, onde diversos estudos com seres humanos reportaram padrões de dor referida na cabeça ocasionadas por estímulos aferentes nociceptivos originados nas estruturas miofasciais da coluna cervical alta (Bogduk e Govind, 2009). Após bloqueio anestésico diagnóstico da articulação atlantoaxial lateral ocorreu alívio completo da cefaleia cervicogênica em 23 dos 32 pacientes (Aprill, Axinn e Bogduk, 2002). Estímulos mecânicos aferentes nociceptivos provocados por uma pressão firme nas estruturas miofasciais da região cervical alta (C0-3) também provocou a dor de cabeça típica nos pacientes com cefaleia cervicogênica (Hall, Briffa, Hopper e Robinson, 2010), tensional e enxaqueca (Watson e Drummond, 2012; Luedtke, Starke e May, 2018). Uma ampla quantidade de estudos sobre pontos gatilhos nos músculos cervicais e suboccipitais deflagrando cefaleia está disponível (Arendt-Nielsen, 2015). Em resumo, a convergência das informações aferentes nociceptivas cervicais e trigeminais nos neurônios de segunda ordem no complexo trigêmeo-cervical pode causar cefaleia como dor referida através da estimulação nociceptiva dos segmentos cervicais superiores pela administração de fluidos irritantes ou pressão mecânica.
Hiperexcitação Generalizada
A hiperexcitação dos neurônios de segunda ordem no complexo trigêmeo-cervical como resultado de um aumento contínuo da atividade nociceptiva periférica somática e vascular (Roch, Messlinger, Kulchitsky, Tichonovich, Azev e Koulchitsky, 2007; Goadsby, 2005; Goadsby, Holland, Martins-Oliveira, Hoffmann, Schankin e Akerman, 2017; Olesen, Burstein, Ashina, Tfelt-Hansen, Care e Israel, 2009), uma diminuição da inibição supraespinhal (Ossipov, Dussor e Porreca, 2010) ou uma combinação de ambos os mecanismos podem causar cefaleia (Burstein, 2001; Goadsby e Bartsch, 2008). A ativação das vias trigêmeo-vasculares aumentadas pelos inputs nociceptivos das fibras nervosas do tipo “A delta” e C originadas na dura-máter e nos vasos intracranianos e que se dirigem para o complexo trigêmeo-cervical parece ser típico da enxaqueca (Goadsby, Holland, Martins-Oliveira, Hoffmann, Schankin e Akerman, 2017).
Atualmente, há um debate em andamento sobre o que estaria causando a hiperexcitabilidade dos neurônios de segunda ordem no complexo trigêmeo-cervical durante a enxaqueca. Levy et al notaram que a inervação sensorial das meninges cranianas e células imunes vasculares podem ter um papel importante, mas evidências de inflamação neurogênica durante a enxaqueca e sua contribuição para a nocicepção meníngea são limitadas (Levy, Labastida-Ramirez e Maassenvandenbrink, 2018). Os inputs nociceptivos periféricos prolongados ou mantidos através de pontos gatilhos em estruturas miofasciais pericranianas ou cervicais podem contribuir para hiperexcitabilidade dos neurônios de segunda ordem no complexo trigêmeo-cervical/corno dorsal medular C1-2, todavia as evidências para essa hipótese são limitadas no momento (Bendtsen e Fernández-De-Las-Peñas, 2011). A hiperexcitabilidade dos neurônios nociceptivos de segunda ordem no corno dorsal medular de C1-2 pode ser causado por uma diminuição da inibição endógena supraespinhal descendente da substância cinzenta periaquedutal, núcleos da raphe ou região bulbar rostroventral. Isso pode levar a sinais clínicos como hipersensibilidade, alodínia e redução dos limiares de dor na região crânio-cervical e até mesmo em regiões extra cefálicas.
Em pacientes com cefaleia tensional crônica diferentemente da episódica, a maioria dos estudos reportam diminuição dos limiares de dor por pressão e estímulos elétricos e térmicos na região cefálica (Bezov, Ashina, Jensen e Bendtsen, 2011). Nos pacientes com enxaqueca os limiares de dor por pressão, frio e calor na região cefálica foram detectados como menores durante a fase de ataque quando comparada a fase de remissão e os indivíduos saudáveis (Russo, Coppola, Pierelli, Parisi, Silvestro e Tessitore, 2018). Na literatura, os pacientes com enxaqueca e cefaleia tensional crônica apresentam uma diminuição significativa dos limiares de dor à pressão na região crânio-cervical quando comparados aos indivíduos saudáveis (Castien, van der Wouden e De Hertogh, 2018). A interação entre os sistemas inibitórios descendentes supraespinhais e os inputs periféricos nociceptivos no complexo trigêmeo-cervical parece ser um pré-requisito para as características, assim como, para a evolução das cefaleias episódicas e crônicas (Bartsch, 2005). Portanto, pontos sensíveis ou gatilhos, estruturas miofasciais dolorosas nos segmentos cervicais superiores nos pacientes de cefaleia podem tanto surgir ou ser uma fonte de hiperexcitabilidade dos neurônios de segunda ordem em C1-2.
Disfunções Musculoesqueléticas e Cefaleia
As disfunções em articulações e músculos cervicais vem sendo observadas e detectadas em pacientes com enxaqueca, cefaleia tensional e cervicogênica (Abboud, Marchand, Sorra e Descarreaux, 2013; Robertson e Morris, 2008; Zito, Jull e Story, 2006; Amiri, Jull, Bullock-Saxton, Darnell e Lander, 2007; Szikszay, Hoenick, von Korn, Meise, Schwarz, Starke et al, 2019). No contexto da interconexão neurofisiológica entre a raiz dorsal de C2 (nervo occipital maior) e o complexo trigêmeo-cervical, não parece surpreender que nos participantes de cefaleia a maioria das disfunções musculoesqueléticas estejam presentes na região da coluna cervical alta. A palpação dos pontos gatilhos nos músculos suboccipitais e trapézio (Couppé, Torelli, Fuglsang-Frederiksen, Andersen e Jensen, 2007; Fernández-de-las-Peñas, Ge, Alonso-Blanco, González-Iglesias e Arendt-Nielsen, 2010; Fernández-de-las-Peñas, Ge, Arendt-Nielsen, Cuadrado e Pareja, 2007; Fernández-de-las-Peñas, Alonso-Blanco, Cuadrado, Gerwin e Pareja, 2006), segmentos com mobilidade restrita na coluna cervical alta (C0-3) (Luedtke e Starke, 2018; Ogince, Hall, Robinson e Blackmore, 2007) com stress nessas articulações (Hall, Briffa, Hopper e Robinson, 2010; Watson e Drummond, 2012) tem uma relação com os diferentes tipos de dor de cabeça. Essa relação entre as disfunções musculoesqueléticas cervicais e cefaleia foi documentada em estudos de controle de caso.
E ai? Aposto que gostou do texto! Semana que vem teremos a parte 3!
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Dr. Jorge Arrigoni – Equipe Head & Neck Fisioterapia